Além dos PCs: qual será o futuro dos jogos como os conhecemos?

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(Fonte da imagem: Baixaki/Tecmundo)

Quando se fala em jogos desenvolvidos para PCs, é praticamente impossível não falar do Steam, plataforma de distribuição criada pela Valve. Em seu surgimento considerado somente como um DRM inconveniente para Half-Life 2, o software atualmente se mostra a melhor (e, para algumas pessoas, a única) alternativa para comprar lançamentos e encontrar títulos completos por preços atraentes.

Assim, não é de se estranhar a comoção gerada pelo anúncio das Steam Machines: computadores com componentes pré-definidos e dimensões compactas, adaptadas às exigências da sala de estar. Acompanhados pelo novo sistema operacional Steam OS, esses dispositivos produzidos por diversas fabricantes têm o objetivo nada modesto de quebrar a relação entre os jogos para desktops e o Windows, determinando assim um novo caminho para esse mercado.

No entanto, apesar das expectativas iniciais quanto à nova plataforma terem sido bastante altas, foi difícil não se decepcionar com o que a companhia exibiu durante a CES 2014. Custando entre US$ 500 até quase US$ 6 mil, as Steam Machines presentes no evento estavam longe de apresentar a qualidade de “matadores de consoles” que a mídia especializada havia atribuído a elas, parecendo muito mais PCs fechados que tinham a desvantagem de só rodar a biblioteca de títulos feitos para Linux, cuja disponibilidade de jogos é bastante reduzida.

De olho no futuro

O que os críticos da nova plataforma da Valve falham em ver é que a empresa nunca afirmou que as Steam Machines têm o objetivo de bater de frente com consoles como o PlayStation 4 e o Xbox One. Prova maior disso é o fato de que não há qualquer intenção de criar títulos exclusivos para o sistema, e tampouco a companhia deu subsídios às suas parceiras para que seus produtos chegassem ao mercado com um preço reduzido.

(Fonte da imagem: Divulgação/Alienware)

Tanto a companhia de Gabe Newell quanto nomes como Alienware, iBuyPower e Falcon Northwest sabem que a primeira leva de produtos não vai vender muito bem — tanto por questões de preço quanto pela falta de jogos dedicados à plataforma. E, para elas, isso não é exatamente um problema, já que a intenção da linha inicial de computadores é justamente testar o mercado e estudar quais as configurações e faixas de preço que se mostram mais populares entre os consumidores.

A intenção da Valve não é estabelecer um produto que faça sucesso imediatamente, mas sim um novo segmento de mercado capaz de se manter firme mesmo caso a companhia chegue ao seu final. Mais importante do que trazer os PCs para a sala de estar, as Steam Machines pretendem criar um ambiente viável para jogos no qual uma peça atualmente bastante importante tem sua presença limitada ou está totalmente ausente: o Windows.

Preservando um ambiente livre

Quem observa o meio-ambiente atual de jogos para PC dificilmente terá o que reclamar em relação ao que o Windows tem a oferecer. Não só a plataforma possui uma alta quantidade de jogos compatíveis com ela, como há a garantia de que praticamente todos os grandes lançamentos do mercado vão possuir uma versão para o sistema operacional.

No entanto, esse ambiente supostamente perfeito apresenta uma fundação frágil devido ao fato de ele confiar essencialmente nas decisões de uma única empresa. Embora não haja indícios de que isso vá acontecer, não é difícil imaginar um futuro no qual todos os jogos para Windows XP vão deixar de funcionar simplesmente porque a Microsoft decidiu que a próxima versão da plataforma não vai mais suportar aquilo que foi desenvolvido no passado.

(Fonte da imagem: Reprodução/InTheGame.nl)

Diante dessa possibilidade, a Valve viu no Linux (base do Steam OS) uma saída que deve beneficiar não somente a ela como os consumidores em geral — não agora, mas sim daqui a 10 ou 20 anos. Para uma empresa cuja principal fonte de lucros é a venda de softwares, faz completo sentido apoiar uma plataforma aberta que não sofre com a influência de um quadro de executivos que, a qualquer momento, pode tomar uma decisão capaz de modificar substancialmente o mercado.

Fato é que a empresa não está planejando abandonar totalmente o Windows, mesmo porque isso não faria qualquer sentido comercial para ela no momento. Porém, a existência do Steam OS (e do Linux como um todo) se prova necessária como uma espécie de válvula de escape caso a Microsoft decida começar a impor regras próprias em um mercado que, embora atualmente aberto, depende demais das decisões de uma única organização.

Além disso, a transição também deve ajudar a Valve a ampliar seu público e se voltar para um segmento de mercado que, se não deve eliminar os desktops tradicionais, pode agir de forma complementar a eles: o mundo dos tablets e dos smartphones. Para isso, a empresa conta não somente com a similaridade entre o Steam OS e o Android (ambos têm como base o Linux), mas também com o fato de ambas as plataformas trabalharem com variações da API gráfica OpenGL.

Integração entre desktops e tablets

Nos próximos anos, o mercado de games em geral deve se expandir para segmentos que o Windows não somente possui um desempenho precário, como muitas vezes nem sequer consegue alcançar — espaços estes nos quais as plataformas de código aberto já possuem a dominância. Assim, embora em um curto prazo a Valve seja sábia em manter laços com o sistema da Microsoft, quando se leva em consideração o futuro, faz mais sentido comercial investir em um caminho diferente.

(Fonte da imagem: Reprodução/Eurogamer)

Demonstrado durante a CES 2014, o chip Tegra K1 da NVIDIA é prova de que a linha que distingue a experiência que obtemos em dispositivos portáteis, consoles e computadores está cada vez mais difícil de ser vista. Baseado em uma arquitetura para desktops convencionais (Kepler), o produto mostrou possuir um poder bruto maior do que o Xbox 360 e o PlayStation 3.

Devido às suas características, o novo hardware possui a mesma compatibilidade com a API OpenGL vista nas GPUs dedicadas produzidas pela NVIDIA. Isso significa que, ao menos de um ponto de vista meramente técnico, não há grandes obstáculos que impeçam que um jogo produzido para Linux (ou especificamente para o Steam OS) seja convertido para os dispositivos móveis equipados com o chip — e todos os seus sucessores futuros.

Um exemplo prático dessa convergência entre plataformas foi a exibição de Trine 2, do estúdio Frozenbyte, que rodava no hardware a 30 quadros por segundo com a resolução 720p e um nível de detalhes semelhante ao da versão do título para o PlayStation 4. Embora o desempenho do jogo tropeçasse em alguns pontos, a rápida evolução do mercado mobile indica que a segunda ou a terceira geração do Tegra K1 será capaz de lidar com esse e outros softwares ainda mais pesados sem qualquer problema.

Em essência, isso mostra que já é possível criar adaptações de títulos de PC para o Android com o mesmo nível de detalhes que a última geração de consoles. E o mais interessante é que não estamos lidando com um “jogo mobile” no sentido tradicional, mas sim com um game criado a partir da união entre Linux e OpenGL — os ingredientes que formam o Steam OS — recompilado para uma outra plataforma.

“Estamos bastante animados com isso. Basicamente, os dias de fazer ‘ports mobile’” estão acabados e isso é bom para nós, que nunca nos importamos realmente com isso — os compromissos gráficos simplesmente não eram recompensadores”, afirmou à Eurogamer Joel Kinnunen, da Frozenbyte.

“Preferíamos trabalhar em algo novo (ou ao menos em plataformas que são animadoras, como o PlayStation 4 em tempos recentes). Agora, com o Tegra K1, podemos adicionar facilmente esses dispositivos entre nossas plataformas viáveis. O Android é complicado, certamente, mas estamos dominando-o aos poucos”, complementa o desenvolvedor.

Um mundo sem Windows é possível?

Diante desse cenário, fica fácil entender por que a Valve está tão focada em fugir das amarras impostas pela Microsoft — especialmente quando se leva em consideração que a empresa falhou em apresentar uma boa integração entre o Windows para desktops e o sistema operacional Windows Phone.

A base forte conquistada pelo Android deve, a longo prazo, contribuir para que mais desenvolvedores considerem atrativa a combinação OpenGL/Linux em relação ao par consagrado DirectX/Windows. Ciente dessa situação, a empresa de Gabe Newell já está dando os passos para que o Steam seja a plataforma central que não só vai unir esses dois mundos, como também mostra potencial para estabelecer uma ligação forte entre as versões de um game para computadores tradicionais e dispositivos móveis.

(Fonte da imagem: Divulgação/Valve)

No entanto, vale notar que esse processo não vai ocorrer de maneira imediata, exigindo anos de pequenas transformações constantes para se fortalecer. Atualmente, o Tegra K1 é somente uma exceção à regra em matéria de poder gráfico, e a indústria ainda precisa lidar com o desafio imposto pelas telas sensíveis ao toque — elemento que se mostra impeditivo quando lidamos com experiências típicas a desktops e consoles especializados em games.

Gabe Newell está ciente dessa limitação e acredita que ela será superada por uma nova interface mais refinada em questão de alguns anos. “Quando você pensa em uma plataforma, você tem que lidar com ela. É preciso lidar com o mobile. Você tem que pensar no que vai acontecer na era pós-tablet. Se você olha para o mouse e o teclado, isso foi algo estável durante aproximadamente 25 anos. Eu acredito que o toque será estável pelos próximos 10 anos”, afirmou ele ao site Games Industry International em uma entrevista concedida em 2012.

“Eu acredito que você usará alguma espécie de pulseira e que será possível fazer várias coisas com suas mãos... suas mãos são extremamente expressivas. Se você observa alguém tocando guitarra e o compara com alguém tocando teclado, é possível ver que há uma quantidade muito maior de dados que você pode obter através das informações que as pessoas transmitem com suas mãos do que o estamos usando atualmente... o toque é... é bom porque é portátil. Mas é falho em termos de taxas de símbolos”, explica Newell.

Mais liberdade ao consumidor

Levando em consideração o caminho que a Valve está traçando, não é difícil imaginar um futuro no qual uma única compra feita através do Steam vai garantir acesso a um jogo para Windows, Linux, OS X e Android — algo que Sony, Microsoft e Nintendo simplesmente não têm como oferecer. Somando isso a opções como saves na nuvem, o resultado significa um futuro no qual plataformas diferentes vão continuar existindo, mas vão cooperar de maneira inédita em relação ao cenário visto atualmente.

Isso significa que aqueles que gostam de jogar em desktops, consoles dedicados ou dispositivos mobile vão poder continuar fazendo isso sem qualquer problema. A principal diferença nesse sentido é o fato de que essas pessoas vão ter mais escolhas e mais possibilidades de trabalhar com duas ou mais plataformas diferentes, sem grandes variações na experiência de uso oferecida por cada uma delas: por exemplo, um jogo iniciado em casa pode ser continuado em um tablet, com direito à preservação do avanço obtido nele.

(Fonte da imagem: Baixaki/Tecmundo)

A empresa de Gabe Newell não é a única a ver o futuro dessa forma, como bem provou a Sony com o anúncio do sistema PlayStation Now. Embora restrita aos hardwares fabricados pela própria empresa, a plataforma de streaming mostra que está cada vez mais próximo o dia em que não haverá mais experiências de jogo limitadas a somente um hardware com características fixas.

Claro, é preciso levar em consideração que, para que essa visão possa ser concretizada, ainda será preciso vencer uma grande quantidade de desafios, que vão desde o barateamento de componentes eletrônicos até um maior desenvolvimento da API OpenGL. Portanto, não devemos esperar que isso aconteça em questão de pouco tempo, mas sim entender que esse processo deve demorar no mínimo uma década para se concretizar.

(Fonte da imagem: Reprodução/Polygon)

Até que essa transformação se estabeleça, não será nenhuma surpresa se, em seu caminho, surgir uma tecnologia ou software capaz de mudar os paradigmas da indústria. Basta lembrar a história do próprio Steam para ver como isso é possível de acontecer: de um simples DRM inconveniente, o sistema passou a uma loja gigantesca que hoje é sinônimo de jogos no PC — algo que ninguém conseguiria prever durante seu período conturbado de lançamento.

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